Cartas para o Menino Azul
Vivemos um momento único na história da humanidade. Vemos o mundo através das telas, e ele nos parece distante e irreal. Mas se olharmos bem, podemos ver que somos filhos de uma mesma mãe, chamada de Gaia, Pacha Mama, Terra, entre tantos nomes. Precisamos dela para viver.
É hora de despertarmos para a consciência planetária: coletiva e ambiental. O momento é de aprendizado. De repente, um ser, (vivo ou não?) que nem podemos enxergar a olho nu, colocou toda a humanidade reclusa, voltada para dentro. É hora de fazermos uma limpeza interna. Só assim teremos dignidade para abrirmos nossas janelas e portas para o mundo, para o outro.
Toquemos outras músicas, outros instrumentos, outros corações! Que nós possamos enxergar das janelas de outros olhos, ver outras cores e dançar, todos juntos, a dança da vida!
A exposição Cartas para o Menino Azul traz para a
realidade pictórica um sonho. O sonho de igualdade, de coletividade, de
tolerância, de amor. Inspirada inicialmente na música e na poesia brasileiras e
das Américas, ela é uma carta para nossa criança interior, eternamente livre de
preconceitos, segura e feliz, e por isso mesmo, universal.
Gisele Moura
Cartas para o menino azul
por Lorena Yanenko (escritora e jornalista)
Falar sobre o trabalho de Gisele Moura é falar sobre aquilo que é sagrado. É falar sobre os detalhes quase imperceptíveis, mas que sabiamente se fazem notar quando postos lado a lado. É falar sobre Deus, sobre ritmos, sobre cores diversas e suas combinações. É sobre estar junto, às vezes em movimento espiral ascendente, às vezes apenas compartilhando o momento de dar de mamar aos nossos bebês.
A arte de Gisele tem som. Eu escuto o rufar de tambores, risadas de crianças brincando na terra amarela, os cantos indígenas que ressoam em seus colares, o som de pássaros, de sanfonas, o bater das roupas nas pedras do rio pelas mãos fortes das lavadeiras. As lavadeiras mostram em suas feições um silêncio muito digno, tão presente, que se prestarmos a atenção devida, podemos também escutá-lo.
Gisele emociona, porque conta histórias. Porque com seus pincéis, tintas e telas, cria enredos fantásticos e de esperança. Ela nos lembra que a leveza ainda existe e que não devemos perdê-la de vista, por mais que nossas vistas estejam cansadas ou descrentes demais.
Os obras aqui reunidas mostram um lado da vida tão lúdico e tão cheio do que é bonito, que surge até uma vontade de que aquilo ali pintado se transforme em realidade, que ganhe forma. Pés descalços, saias rodadas, mãos ao alto em prece recebendo uma luz de alento direto do céu - retratos cotidianos da vida que deveríamos ter.
E acima de todo o sonho e utopia, está um menino azul que também é um príncipe ao reinar sobre a terra, sobre aqueles que são pretos, vermelhos, amarelos, brancos. Sobre aqueles do norte, do sul, do oriente ou ocidente.
Em cima de um pavão, o menino percorre os quatro cantos e carrega na bagagem bandeiras e brasões. De seu trono, que é o próprio chão de terra, ensina às outras crianças que o mundo é um só - e que todos fazemos parte dele. Descansa repousando em um travesseiro e trás consigo as penas de seu animal voador.
E presente ali, a sua Mãe, de manto azul também, carrega na cabeça a coroa da rainha que é, no mundo de seu filho príncipe. A criadora do universo, do menino, e de todos aqueles que dançam ou meditam sob o seu manto protetor contra os males de gente grande. Os seus filhos lhe colocam no centro, e giram ao seu redor de braços dados - e o branco e azul formam circunferências mágicas.
Eu adoraria adormecer e ver cada um destes quadros enquanto descanso. A arte de Gisele é um descanso necessário.
Em um esforço para isto acontecer, abro os olhos e revejo as meninas em roda, dançando adornadas com saias florais enquanto levantam as mãos em alegria e esplendor. De repente, pequeninas flores brancas e vermelhas ganham vida de suas saias e alcançam o horizonte de tons azuis celestiais. O som é de risos e preces. O cheiro é de rosas e jasmim.
Adormeço sem perceber, embalada pelo som da flauta do menino príncipe. Sinto o coração cheio de calor e de reza, de amor e de dança. Meus olhos sorriem pela graça de ver coisas tão belas.
Obrigada, Gisele.
Lorena Yanenko
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