Sei que nada será como antes
acrílica sobre tela
140 x 80 cm
vendida
detalhes:
Esta pintura foi uma encomenda. Uma encomenda inusitada. Uma surpresa. Um desafio. Um presente. Gostaria de poder explicar o impacto dela sobre minha vida, mas tem experiências que não cabem nas palavras. Quem me encomendou esta obra foi a irmã de uma grande amiga minha das artes. Ela queria uma Santa Ceia, porém com discípulas mulheres em vez de discípulos homens. Quero lembrar aqui que através desta pintura não estou querendo questionar a veracidade da história da vida de Jesus. É apenas uma licença poética a que a arte tem acesso.
Pintar Jesus não é fácil. É preciso profundidade e entrega. Preferi começar a pintura somente depois de voltar de um encontro no Centro Nacional da Sahaja Yoga em 'Olhos D’água', em 'Goiás', Brasil, um sítio onde costumamos nos encontrar todos os anos durante o período de carnaval. Sabia que eu estaria num estado de consciência bem mais profundo após este período de vários dias em meditação coletiva. Este ano éramos perto de 500 yogues de vários países e este foi um dos nossos encontros mais profundos.
Lá, uma yoguine inglesa, uma senhora que conheceu muito bem Shri Mataji, contou como Shri Mataji explicou sobre como foi, na realidade, a Santa Ceia, em uma experiência real de transformação dos elementos como uvas e pães em pura vibração de chaitanya. Parecia que ela estava falando pra mim. Seu relato tocou nosso coração como se estivéssemos compartilhando deste momento com Cristo, a mais de 2000 anos atrás. Uma experiência viva.
Cada vez mais, tenho a clareza de que a arte não é somente simbólica. Ela é tão conectada à nossa essência que seria impossível não haver uma sintonia entre a arte e o divino em nós. E como tal, ela atua. A arte atua no nível sutil, dentro e fora de nós. O artista precisa ter coragem e humildade. Coragem de assumir seu compromisso com o poder criador, para o qual somos apenas um canal. Assim escreveu certa vez o poeta Fernando Pessoa: “Dá-me alma para te servir e alma para te amar. Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra, ouvidos para te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em teu nome.” Esse é um pedido que faço a Deus constantemente.
Minhas mãos trabalham em nome de Deus em todas as formas em que Ele/Ela se apresenta à humanidade, dentro das minhas possibilidades, conhecimentos e vivências. Esse é meu compromisso nesta vida. Não pensei em porque pintar mulheres com Jesus, apenas me entreguei à tarefa, colocando aos pés de Jesus e Maria o meu trabalho.
Claro que quis representar, na mesma pintura, mulheres de diversas origens raciais, como na maioria dos meus trabalhos, que buscam sempre o ideal de união e harmonia na diversidade. Representei nesta pintura diferentes fases importantes da mensagem de Jesus naTerra: A Santa Ceia, o Pentecostes, o Sagrado Coração, a ressurreição, o mistério da Porta Estreita para o Reino, da qual Jesus falou.
Ficou clara a importância, neste momento, de pintar esta tela. Momento em que vemos à nossa volta uma guerra acontecendo entre o feminino e o masculino, entre homens e mulheres, entre poderes opostos, mas não antagônicos. Complementares sim. É isso que precisamos entender e harmonizar.
Todos nós, no mundo inteiro, homens ou mulheres, podemos, se quisermos, sermos discípulos do divino e nos aproximarmos dele em suas diferentes manifestações, afinal, estamos todos, como seres humanos, no caminho da evolução. No caminho de encontrarmos o divino em nós. No outro. Na outra religião. Na outra cultura. Esta é uma escolha individual, mas está disponível a todos. Jesus é uma das formas mais importantes do divino em toda a sua fortaleza, principalmente quando se trara do perdão.
Percebi que durante o processo dessa pintura, várias questões relativas ao perdão começaram a ser trabalhadas dentro de mim e à minha volta. Vieram questões antigas, difíceis, relacionadas ao machismo e ao sofrimento milenar que ele causou às mulheres. A mim. À minha mãe, avós, irmãs, amigas e ao próprio princípio divino feminino. Foi doído. Foi difícil. Foi esclarecedor.
Percebi que devemos sim, colocar limites, mais que nunca. Nos impor. Porém, com o perdão. Nós mulheres precisamos perdoar os homens, mas não o machismo. Nosso poder é o amor. Os homens também estão perdidos e precisam entender com clareza, nossos limites. E respeitá-los. É uma tarefa difícil pra nós, que somos sutis, que entendemos as entrelinhas, que intuímos as verdades ocultas, fazê-los compreender, em sua mente prática e mais literal do que a nossa, que não aceitar o que nos machuca ou nos diminui, não é deixar de amar. Não é deixar de admirar. Colocar limites não é querer disputar o lugar deles no mundo. O momento é de aprender a compartilhar
este espaço no mundo, caminhando lado a lado.
Só assim construiremos um novo paradigma onde cabemos todos, com igual importância, admiração e respeito mútuo. Fica aqui o meu desejo nessa Páscoa. Sei que é um desejo pretencioso, porém acredito nele.
SEI QUE NADA SERÁ COMO ANTES
ps.: Essa frase da música de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos ficou dançando na minha mente durante o processo desta pintura. Um título perfeito!
Gisele Moura
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