Li ou ouvi em algum lugar uma definição de arte que me satisfez inteiramente o espírito e que, certamente por isso, não saiu da minha cabeça: “a iminência de uma revelação que não se dá”.
Jorge Luis Borges sempre certeiro na lida com o universo das palavras e das significações me conforta ao escancarar o desconforto diante do inatingível inerente na relação do artista com a (sua) arte.
Quando comecei minha trajetória como intérprete, o (compositor) Makely chegou com uma sugestão de nome para o nosso trabalho – Danaide. Os possíveis significados vieram em verbete estampados na capa do disco demonstrativo que gravamos em 2001. Dentre eles “poço sem fundo, trabalho sem fim”, remetendo ao poço das danaides condenadas por Zeus a encher eternamente um tonel sem fundo... Tateávamos através dessa imagem o mesmo sentimento em relação ao sentido da arte que encontrei bem mais tarde nas palavras de Borges.
Minha irmã, a artista plástica Gisele Moura, às vezes me convidava a dar nomes às suas telas... Lá ficávamos contemplando-as e, nesse exercício de batismo, recorríamos a poemas, dicionários de símbolos, figuras da mitologia indígena, grega ou hindu ou (simplesmente?) elementos da natureza, e fazíamos nossos ‘achados’ quando nos entendíamos enfim sobre a compatibilidade entre um nome e uma pintura. Ao batizar uma tela, damos uma pista de algo que ainda nos escapa... “a iminência de uma revelação que não se dá”...
Assim também convidei a Gisele para fazer o projeto gráfico do meu disco (Moira, lançado em 2009). O conjunto das canções ali reunidas foi arrematado com bordados. Algum sentido que busquei na costura do repertório, ela captou e deu a pista visual. De quê? ... “a iminência de uma revelação que não se dá”...
Este ano, a Gisele montou a exposição Florescências e me sondou a possibilidade de eu fazer um show de abertura. A idéia me instigou e, quando me dei conta, um conjunto de canções - umas extraídas do ‘Moira’, outras do repertório do show ‘Canção Extinta’ (que montei com o músico Rafael Azevedo em 2010) e algumas dentre as quais ando ‘namorando’ e pensando num possível matrimônio a ser registrado em próximo disco – veio formando um núcleo significativo que me remetia às pinturas da Gisele. Através dessas canções toco de leve em algo que exala das telas... “a iminência de uma revelação que não se dá”?
Montei o roteiro desse concerto pelas telas, para as telas, sobre elas. Canto suas minúcias, seus segredos, cores e nomes. Para isso, convidei os músicos Rafael Azevedo e Guilherme Castro (violões, ukelelê e guitarra portuguesa), e Léo Dias (percussão e marimba de vidro) e tomei para mim canções dos compositores Chico Saraiva e Mauro Aguiar, Makely Ka, Renato Villaça, Sérgio Ramalho, Péricles Cavalcanti, Gilberto Gil e Moacyr Santos, Tom Zé, Paulo Neves e Zé Miguel Wisnik, (de quem, se não me engano, ouvi (li?) sobre a definição de arte de Jorge Luis Borges.)
As telas da Gisele saíram da Casa Mac de Cultura, onde ficaram expostas durante o mês de setembro, e vieram se instalar alternativamente no Conservatório de Música da UFMG, entre os dias 18 e 28 de outubro. Eu e meus amigos faremos o show de abertura da mostra, dentro do projeto Para Todos, no dia 18, terça-feira, às 20:00. Esperamos vocês lá!
Maísa Moura
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